Compositor brasileiro dotado de uma
extraordinária originalidade, porque transita com fôlego entre a música popular
e erudita, fazendo-lhe a ponte, a união, o enlace. (Mario de Andrade)
Na região do Porto do Rio de
Janeiro, Bairro Cidade Nova, na encosta do Morro do Nheco (atual Morro do
Pinto) na Rua do Bom Jardim (hoje Rua Marquês de Sapucaí) na modesta casa de número
9, nascia Ernesto Júlio Nazareth, no dia 20 de Março de 1863, filho do
despachante aduaneiro Vasco Lourenço da Silva Nazareth e de D. Carolina Augusta
da Cunha Nazareth, pianista.
O país vivia períodos
caracterizados por grandes mudanças e instabilidade social e política no país,
como a guerra do Paraguai, o movimento abolicionista e a instauração da
República.
Ainda na infância, sofreu uma
queda que lhe afetou o ouvido direito, causando problemas auditivos que lhe
acompanhariam por toda a vida.
Os pais e irmão (a mãe aparece grávida de Ernesto na foto) |
Charles Lucien Lambert |
Em 1877, aos 14 anos de
idade, estudando no Colégio Belmonte - foi colega de Olavo Bilac - iniciou suas
composições. Sua primeira música foi "Você Bem Sabe", dedicada a seu
pai, e editada pela Casa Arthur Napoleão, que durante muito tempo foi o
principal centro musical no Rio de Janeiro, seu proprietário ficou entusiasmado
com o novo ritmo. A partir daí outras obras vieram como: “Gentes! O imposto
pegou”, “Gracieta”, “O nome dela” e “Cruz, Perigo!”.
Sua primeira apresentação
pública aconteceu aos 17 anos de idade no Club Mozart. No ano seguinte, em
1881, compôs a polca "Não caio noutra!", seu primeiro grande sucesso,
com diversas reedições. Nos anos que se
seguiram apresentou-se em diferentes clubes da corte, inclusive no
Club Rossini em São Cristóvão. Naquela época, a polca, pelo seu aspecto
brejeiro e alegre, fazia bastante sucesso.
Em 14 de julho de 1886, aos
23 anos de idade, casou-se com Teodora Amália de Meireles, a quem dedicou o
tango "Dora", nome pelo qual era tratada na intimidade. O casal teve
quatro filhos: Eulina, Diniz, Maria de Lourdes e Ernestinho.
Ernesto Nazareth e Teodora Amália de Meireles Os filhos: Eulina - Diniz (alto) Maria de Lourdes e Ernestinho (abaixo) |
A partir de 1889, a agora
Casa Arthur Napoleão e Miguez, passou a publicar a "Revista Musical e de
Belas-Artes", situada na Rua do Ouvidor, o estabelecimento propiciou ao
compositor valiosas relações com o mundo musical de então. Daí em diante,
passou a ser um profissional do piano e da música.
"Brejeiro,"
composto em 1893, uma de suas composições mais famosas, é lançado pela Casa
Vieira Machado, com a qual alcançou sucesso nacional e internacional, foi considerado
o marco do tango brasileiro, foi publicada em Paris e nos Estados Unidos em
1914. Em razão de dificuldades financeiras, Nazareth vendeu os direitos dessa
peça para Editora Fontes e Cia. por 50.000 réis, anos mais tarde foi gravado
pela banda da Guarda Republicana de Paris.
Catulo da Paixão Cearense |
A primeira gravação de sua autoria, o tango brasileiro, “Está Chumbado”, foi realizada pela Banda
do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro em 1902.
O cantor Mario Pinheiro grava
“Brejeiro”, com o título de “O sertanejo enamorado”, com letra de Catulo da
Paixão Cearense, em 1904. ( Link da música na voz de Vicente Celestino): https://drive.google.com/folderview?id=0B9F356bpnhA-YXlWX3dFSVJGQ0U&usp=sharing
O SERTANEJO ENAMORADO (Brejeiro)
Ai, ladrãozinho,
Nesse lábio de coral
Dá-me um beijinho
Não te pode, fazer mal
És tão sestrosa
Não há como tú
Flor tão cheirosa, não há
(para ladrão)
Não me apoquentes, assim,
Ai de mim
Ai, ai, ai de mim
Teu lábio cheira
Como um galho de Alecrim
Tú és faceira
Queres dar, cabo de mim
Ouve um suspiro de amor
Estes ais,
Que dá um martírio de dor, ora meu Deus !
Como é penoso viver, a gemer
Ai, ai a gemer.
Eu canto em minha viola, ternuras de amor
Mas de muito amar
O choro, as mágoas consola
Teu belo rigor, quer minha vida acabar
Eu sou Jaçanã ferida
Gemendo de amor
Lá na solidão
Minh'alma no peito vencida
Soluça de dor
Nesta pobre canção
Na minha choça, seu escravo, sou até
Tenho uma roça e uma casa de sapé
Foi para dar-te que a fiz e que vivo
Por amar-te feliz
Valha-me Deus
Nela contigo serei
Mais que um rei
Há, ai ! Mais que um rei
Como eu sou rico, se me cresce, o milharal
Ai, como fico, se floresce, o cafezal
Mas fico mudo, sem ti chora tudo
Tudo, tudo daqui, úi, úi, úi!
Quando me negas ó flor, teu amor,
Ai ! O teu amor !
É nomeado, em 1907, terceiro escriturário do Tesouro Nacional. Ficando pouco tempo na função, vivendo exclusivamente de música, com aulas particulares de piano e tocando em casas de música, de família e clubes. Em 1908, empregou-se como pianista na Casa Mozart.
Fachada do Cinema Odeon |
De 1909 a 1913, e de 1917 a 1918, trabalhou na sala de espera do antigo Cinema Odeon (anterior ao prédio moderno da Cinelândia), muitas personalidades ilustres iam àquele estabelecimento apenas para ouvi-lo, dentre eles Rui Barbosa. Foi em homenagem a este cinema que Nazareth batizou sua composição mais famosa, o tango "Odeon", composto em 1910.
Arthur Rubinstein & Darius Milhaud |
Vivia em uma casa no bairro de Ipanema, em 1917, quando morre sua filha, Maria de Lourdes, considerado o primeiro abalo dos inúmeros que Ernesto enfrentou...
Em 1919, trabalha como
pianista demonstrador da Casa Carlos Gomes à Rua Gonçalves Dias, do pianista e compositor Eduardo Souto, executava músicas para serem
vendidas, entre elas, as suas próprias composições. Na época, a maneira mais
comum de se tomar conhecimento das novidades musicais era através das casas de
música e seus pianistas demonstradores. E em 1920, Heitor
Villa-Lobos dedicou a ele a peça "Choros nº 1", para violão. Em 1922 foi convidado pelo
compositor Luciano Gallet a participar de um recital no Instituto Nacional de
Música do Rio de Janeiro, tocou seus tangos: "Brejeiro",
"Nenê", "Bambino" e "Turuna".
Segundo os biógrafos, ele era
muito exigente com as pessoas que executavam suas músicas, e frequentemente
mandava parar a execução antes do final. No ano seguinte, participou da
inauguração da Rádio M.E.C. (antiga Rádio Sociedade do Rio de Janeiro), como
pianista.
Piano Sanzin doado por seus admiradores paulistas |
Em 1929, morre sua mulher, o
que lhe provocou profundo abalo.
Em 1930, concluiu sua última
composição, a valsa "Resignação". No mesmo ano, gravou ao piano a
polca "Apanhei-te, cavaquinho" e os tangos brasileiros:
"Escovado", "Turuna" e "Nenê" de sua autoria,
para a casa Edson. ( Link com estas gravações e outras de 1912, conforme a relação abaixo):
https://drive.google.com/folderview?id=0B9F356bpnhA-Ynd5MkZhTTh2Nms&usp=sharing
Gravações de 1912:
Odeon - Ernesto Nazareth (piano) e Pedro de Alcântara (flautim)
Favorito - Ernesto Nazareth (piano) e Pedro de Alcântara (flautim)
Linguagem do coração (de Joaquim Callado) - Ernesto Nazareth (piano) e Pedro de Alcântara (flautim)
Choro e poesia (de Catullo da Paixão Cearense) - Ernesto Nazareth (piano) e Pedro de Alcântara (flautim)
Gravações de 1930:
Nenê - Ernesto Nazareth (piano)
Turuna - Ernesto Nazareth
Apanhei-te cavaquinho - Ernesto Nazareth
Escovado - Ernesto Nazareth
Por volta de 1932, passou a
residir em Laranjeiras. Apresentou um recital só com músicas de sua autoria em
um concerto precedido por uma conferência de Gastão Penalva. Neste mesmo ano
realizou uma turnê pelo sul do país.
Após um longo processo de perda de audição,
o compositor foi definitivamente vitimado pela surdez, somando-se a isso os
abalos que sofreu com as mortes de sua filha e da esposa causou-lhe uma
deterioração e forte perturbação mental, e a consequente internação no
Instituto Neuropsiquiátrico situado na Praia Vermelha, foi também diagnosticado
como portador de sífilis e em 1933 é internado na Colônia Juliano Moreira,
situada em Jacarepaguá.
Foto como interno da Colônia Juliano Moreira |
Cemitério São Francisco Xavier |
Cachoeira dos Ciganos |
Deixou 211 peças completas
para piano, que retrataram o ambiente musical das serestas e dos choros do Rio
de Janeiro. O musicólogo Mozart de Araújo disse sobre sua obra: "As
características da música nacional foram de tal forma fixadas por ele e de tal
modo ele se identificou com o jeito brasileiro de sentir a música, que a sua
obra, perdendo embora a sua funcionalidade coreográfica imediata, se
revalorizou, transformando-se hoje no mais rico repositório de fórmulas e
constâncias rítmico-melódicas, jamais devidas, em qualquer tempo, a qualquer
compositor de sua categoria". Compôs
em torno de 90 tangos, cerca de 40 valsas e em torno de 20 polcas,
destinando-se o restante de sua obra a gêneros variados como mazurcas,
schottisches, marchas carnavalescas etc. Dentre sua obra as músicas mais
conhecidas são: "Apanhei-te, cavaquinho", "Ameno Resedá",
"Confidências", "Coração que sente", "Expansiva",
"Turbilhão de beijos", "Odeon", "Fon-fon",
"Escorregando", "Brejeiro" e "Bambino".
O tango brasileiro era o nome
dado no fim do século XIX e começo do XX, ao estilo hoje conhecido como choro
ou chorinho, entretanto naquela época a palavra "choro" designava não
um gênero, mas conjuntos musicais normalmente compostos de flauta, cavaquinho e
violões que animavam as festas chamadas de forrobodós, executando polcas,
lundus, habaneras e mazurcas e outros gêneros estrangeiros de uma maneira
sincopada. O tango Brasileiro era uma variante do gênero musical cubano conhecido
como habanera ou tango-habanera. Na dança passou a ser designado de maxixe, que
era proibida ou mal vista. Assim o "Tango Brasileiro" escondia a
relação com o maxixe dessas composições.
Estudiosos afirmam que existe
uma diferença harmônica, sendo o Tango Brasileiro um pouco mais complexo do que
o Maxixe.
Sua obra situa entre o
popular e o erudito, cai bem tanto nas mãos de Arthur Moreira Lima como de
Jacob do Bandolim.
Curiosidades:
O Instituto Cultural Cravo
Albin (ICCA) criou o Diploma Ernesto Nazareth uma honraria concedida aos
artistas com representatividade na história da MPB.
Seus tangos-brasileiros têm a
indicação metronômica de MM semínima igual a 80 batidas, já no choro, a
indicação é de 100 batidas.
Para mostrar essa diferença,
Nazareth compôs o choro "Apanhei-te Cavaquinho." Foi uma das únicas
composições que ele considerou como choro. O mesmo entendimento tinham
Chiquinha Gonzaga, Antonio Calado, Alexandre Levy e outros.
Assim como Rachmaminoff,
Nazareth tinha as mãos muito grandes, o que lhe facilitava compor e tocar
acordes acima de uma oitava, o que torna difícil a interpretação de sua obra,
no piano, por aqueles cujas mãos tem um tamanho normal.
Com o agravamento da surdez,
tocava debruçado sobre o piano para conseguir ouvir sua própria música.
No link abaixo é possível ouvir toda a obra de Ernesto Nazareth, entretanto não é possível fazer o seu download:
Este outro link direciona
para o site desenvolvido pelo Instituto Moreira Salles em comemoração aos 150
anos de Ernesto Nazareth:
Aqui o link com parte da obra de Ernesto Nazareth:
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