Estamos num período especial para os cristãos, Semana Santa, mas não vou discorrer sobre o tema, pois já o fiz, veja Páscoa e Páscoa e o Messias.
Para quem não sabe, o compositor Tom Jobim teria completado, em janeiro deste ano, NOVENTA ANOS.
E na próxima semana a nossa lamacenta Capital Federal, Brasília, celebrará CINQUENTA E SETE ANOS.
Juntando as duas efemérides, apresento-vos:
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Capa Original - Desenhada por Oscar Niemeyer |
A SINFONIA DA ALVORADA.
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Vinícius e Tom |
Uma
das obras menos conhecidas do grande público, fruto de uma parceria de Antônio
Carlos Jobim e Vinícius de Moraes.
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J.K. e as filhas Maria Estela (esquerda) e Márcia |
Final da década de 1950,
Juscelino fora eleito o 21º Presidente do Brasil, assumindo o cargo em 31 de
Janeiro de 1956, dentre as suas metas estava construção e transferência da
Capital Federal para o Interior, no Planalto Central, no estado de Goiás, a
cidade que se chamaria Brasília, executando assim um antigo projeto para
promover o desenvolvimento do interior e a integração do país.
Esta mudança já
era prevista nas Constituições de 1891, de 1934 e na de 1946, mas foi adiada sua construção por todos os governos brasileiros desde
1891.
Esta foi uma promessa feita
por JK durante um comício em Goiás quando foi indagado se cumpriria a
Constituição de 1946, inclusive na criação da capital no Planalto Central.
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Oscar Niemeyer e Lúcio Costa |
Lideradas pelos arquitetos
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, as obras começaram em fevereiro de 1957.
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Candangos |
Mais de
duzentas máquinas e trinta mil operários - os candangos - vindos de todas as
regiões do Brasil (principalmente do Nordeste do Brasil) exerceram um regime de
trabalho ininterrupto, dia e noite, para construir e concluir Brasília até a
data prefixada de 21 de abril de 1960, em homenagem à Inconfidência Mineira.
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Congresso Nacional em construção |
As obras terminaram em tempo
recorde de 41 meses — antes do prazo previsto. Já no dia da inauguração, em
pomposa cerimônia, Brasília era considerada como uma das obras mais importantes
da arquitetura e do urbanismo contemporâneos.
Para a inauguração Juscelino
queria algo diferente e grandioso, algo como era feito na nobreza europeia dos
séculos anteriores e encomendou em 1958, aos compositores Tom Jobim e Vinícius
de Morais, uma Sinfonia em homenagem à nova Capital.
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Vinícius e Tom em Brasília |
A ideia fora deixada de lado,
até que por intermédio do arquiteto Oscar Niemeyer, Tom e Vinícius foram convidados
a visitarem o planalto central para conhecer a cidade que estava sendo erguida,
esta viagem ocorreu em Setembro de 1959.
Tom e Vinícius presenciaram a
frenética construção da cidade, trabalhadores braçais vindo de todas as partes
do país.
Tom Jobim dizia que Brasília
fica no lugar mais antigo da terra. E por isso suas alvoradas são tão ricas de
cores que multiplicaram ao longo dos bilhões de anos.
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Catetinho |
Foram dez dias encerrados no
"Catetinho", para fazer uma Sinfonia. A viagem foi justificada como
uma busca de realismo ao que estava acontecendo no sertão goiano, mas a maior
parte do Brasil desconhecia.
Vinicius misturou-se com operários e engenheiros,
enquanto Tom embrenhava-se na mata para ouvir o canto dos pássaros do cerrado.
Inicialmente, JK pretendia
apresentar a Sinfonia da Alvorada no dia 21 de Abril de 1960, data oficial da
transferência de capital. Depois, postergou a apresentação para o dia 07 de
setembro do mesmo ano, entretanto isso nunca aconteceu.
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Roberto de Regina, Os Cariocas, Elizeth Cardoso, Radamés Gnatalli |
Sua gravação foi realizada em
novembro de 1960, no estúdio da Colúmbia no Rio de Janeiro, com a Orquestra
Sinfônica sob a regência de Antônio Carlos Jobim, o recitativo interpretado por
Vinicius de Moraes e em alguns trechos com participação de Tom Jobim, tendo o acompanhamento
do Coral Dante Martinez sob a direção de Roberto de Regina, e participação de
Os Cariocas e Elizeth Cardoso, ao piano Radamés Gnatalli e capa original
desenhada por Oscar Niemeyer.
A Sinfonia é dividida em
cinco partes:
- I - O Planalto Deserto
- II - O Homem
- III - A Chegada dos Candangos
- IV - O Trabalho e a Construção
- V – Coral
"O Planalto
Deserto" – O Cenário - É descrito o lugar com suas coisas "anteriores
ao homem": os campos, as cores, as aves, as auroras...
"O Homem" – Os
Atores - Aqueles que ali chegaram para desbravar, para fundar, para erguer e
para ficar.
"A Chegada dos
Candangos" – Personagens - É a convocação e a chegada de todos os homens
que tinham vontade de trabalhar e confiança no futuro.
"O Trabalho e a
Construção"- A Ação - Discorre sobre os materiais, e o tipo de trabalho a
ser realizado:
"Coral" – Celebração
- Todos comemorando a obra concluída.
Texto do Recitativo e Coral
I - O PLANALTO DESERTO
No princípio era o ermo
Eram antigas solidões sem
mágoa.
O altiplano, o infinito
descampado
No princípio era o agreste:
O céu azul, a terra vermelho-pungente
E o verde triste do cerrado.
Eram antigas solidões
banhadas
De mansos rios inocentes
Por entre as matas
recortadas.
Não havia ninguém. A solidão
Mais parecia um povo
inexistente
Dizendo coisas sobre nada.
Sim, os campos sem alma
Pareciam falar, e a voz que
vinha
Das grandes extensões, dos
fundões crepusculares
Nem parecia mais ouvir os
passos
Dos velhos bandeirantes, os
rudes pioneiros
Que, em busca de ouro e
diamantes,
Ecoando as quebradas com o
tiro de suas armas,
A tristeza de seus gritos e o
tropel
De sua violência contra o
índio, estendiam
As fronteiras da pátria muito
além do limite dos tratados.
- Fernão Dias, Anhanguera,
Borba Gato,
Vós fostes os heróis das
primeiras marchas para o oeste,
Da conquista do agreste
E da grande planície
ensimesmada!
Mas passastes. E da
confluência
Das três grandes bacias
Dos três gigantes milenares:
Amazonas, São Francisco, Rio
da Prata;
Do novo teto do mundo, do
planalto iluminado
Partiram também as velhas
tribos malferidas
E as feras aterradas.
E só ficaram as solidões sem
mágoa
O sem-termo, o infinito
descampado
Onde, nos campos gerais do
fim do dia
Se ouvia o grito da perdiz
A que respondia nos estirões
de mata à beira dos rios
O pio melancólico do jaó.
E vinha a noite. Nas campinas
celestes
Rebrilhavam mais próximas as
estrelas
E o Cruzeiro do Sul
resplandecente
Parecia destinado
A ser plantado em terra
brasileira:
A Grande Cruz alçada
Sobre a noturna mata do
cerrado
Para abençoar o novo
bandeirante
O desbravador ousado
O ser de conquista
O Homem!
II - O HOMEM
Sim, era o Homem,
Era finalmente, e
definitivamente, o Homem.
Viera para ficar. Tinha nos
olhos
A força de um propósito:
permanecer, vencer as solidões
E os horizontes, desbravar e
criar, fundar
E erguer. Suas mãos
Já não traziam outras armas
Que as do trabalho em paz.
Sim,
Era finalmente o Homem: o
Fundador. Trazia no rosto
A antiga determinação dos
bandeirantes,
Mas já não eram o ouro e os
diamantes o objeto
De sua cobiça. Olhou
tranquilo o sol
Crepuscular, a iluminar em
sua fuga para a noite
Os soturnos monstros e feras
do poente.
Depois mirou as estrelas, a
luzirem
Na imensa abóbada suspensa
Pelas invisíveis colunas da
treva.
Sim, era o Homem...
Vinha de longe, através de
muitas solidões,
Lenta, penosamente. Sofria
ainda da penúria
Dos caminhos, da dolência dos
desertos,
Do cansaço das matas
enredadas
A se entredevorarem na luta
subterrânea
De suas raízes gigantescas e
no abraço uníssono
De seus ramos. Mas agora
Viera para ficar. Seus pés
plantaram-se
Na terra vermelha do
altiplano. Seu olhar
Descortinou as grandes
extensões sem mágoa
No círculo infinito do
horizonte. Seu peito
Encheu-se do ar puro do
cerrado. Sim, ele plantaria
No deserto uma cidade muita
branca e muito pura...
Citação de Oscar Niemeyer
- "... como uma flor
naquela terra agreste e solitária…"
- Uma cidade erguida em plena
solidão do descampado.
- " ... como uma
mensagem permanente de graça e poesia..."
- Uma cidade que ao sol
vestisse um vestido de noivado
- " ... em que a
arquitetura se destacasse branca, como que flutuando na imensa escuridão do
planalto..."
- Uma cidade que de dia
trabalhasse alegremente
- "…numa atmosfera de
digna monumentalidade..."
- E à noite, nas horas do
langor e da saudade
- " ... numa luminação
feérica e dramática..."
- Dormisse num Palácio de Alvorada!
- " ... uma cidade de
homens felizes, homens que sintam a vida em toda a sua plenitude, em toda a sua
fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas puras..."
- E que fosse como a imagem
do Cruzeiro
No coração da pátria
derramada.
Citação de Lucio Costa
- "…nascida do gesto
primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos que se cruzam
em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz."
III - A CHEGADA DOS CANDANGOS
Tratava-se agora de
construir: e construir um ritmo novo.
Para tanto, era necessário
convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com vontade de
trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo
Tempo.
E, à grande convocação que
conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os
cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés
de raiz, rostos de couro e mãos de pedra, e que, no calcanho, em carro de boi,
em lombo de burro, em paus-de-arara, por todas as formas possíveis e
imagináveis, começaram a chegar de todos os lados da imensa pátria, sobretudo
do Norte; forarn chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do Nordeste, em sua
simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do Grande Leste, da
Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando em sua mudez
cheia de esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a
aguardar suas promessas de melhores dias; foram chegando de tantos povoados,
tantas cidades cujos nomes pareciam cantar saudades aos seus ouvidos, dentro
dos antigos ritmos da imensa pátria...
Dois locutores alternados
- Boa Viagem! Boca do Acre!
Água Branca! Vargem Alta! Amargosa! Xique-Xique! Cruz das Almas! Areia Branca!
Limoeiro! Afogados! Morenos! Angelim! Tamboril! Palmares! Taperoá! Triunfo!
Aurora! Campanário! Águas Belas! Passagem Franca! Bom Conselho! Brumado! Pedra
Azul! Diamantina! Capelinha! Capão Bonito! Campinas! Canoinhas! Porto Belo!
Passo Fundo!
Locutor nº 1: - Cruz Alta...
Locutor nº 2: - Que foram
chegando de todos os lados da imensa pátria...
Locutor nº 1: - Para
construir uma cidade branca e pura...
Locutor nº 2: - Uma cidade de
homens felizes...
IV - O TRABALHO E A
CONSTRUÇÃO
- Foi necessário muito mais
que engenho, tenacidade e invenção. Foi necessário 1 milhão de metros cúbicos
de concreto, e foram necessárias 100 mil toneladas de ferro redondo, e foram
necessários milhares e milhares de sacos de cimento, e 500 mil metros cúbicos
de areia, e 2 mil quilômetros de fios.
- E 1 milhão de metros
cúbicos de brita foi necessário, e quatrocentos quilômetros de laminados, e
toneladas e toneladas de madeira foram necessárias. E 60 mil operários! Foram
necessários 60 mil trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria,
sobretudo do Norte! 60 mil candangos foram necessários para desbastar, cavar,
estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir,
erguer as brancas empenas...
- Ah, as empenas brancas! -
- Como penas brancas...
- Ah, as grandes estruturas!
- Tão leves, tão puras...
Como se tivessem sido
depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-pungente do planalto,
em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do
trabalho humano em progressão ...
O trabalho humano que anuncia
que a sorte está lançada e a ação é irreversível.
Cantochão
E ao crespúsculo, findo o
labor do dia, as rudes mãos vazias de trabalho e os olhos cheios de horizontes
que não têm fim, partem os trabalhadores para o descanso, na saudade de seus
lares tão distantes e de suas mulheres tão ausentes. O canto com que
entristecem ainda mais o sol-das-almas a morrer nas antigas solidões parece
chamar as companheiras que se deixaram ficar para trás, à espera de melhores
dias; que se deixaram ficar na moldura de uma porta, onde devem permanecer
ainda, as mãos cheias de amor e os olhos cheios de horizontes que não têm fim.
Que se deixaram ficar muitas terras além, muitas serras além, na esperança de
um dia, ao lado de seus homens, poderem participar também da vida da cidade
nascendo em comunhão com as estrelas. Que viram, uma manhã, partir os
companheiros em busca do trabalho com que lhes dar uma pequena felicidade que
não possuem, um pequeno nada com que poder sentir brilhar o futuro no olhar de
seus filhos. Esse mesmo trabalho que agora, findo o labor do dia, encaminha os
trabalhadores em bando para a grande e fundamental solidão da noite que cai
sobre o planalto…
" Deste planalto
central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas
decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e
antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu
grande destino."
(Brasília, 2 de outubro de
1956)
Presidente Juscelino
Kubitschek de Oliveira
V - CORAL
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
BRASIL! BRASIL! BRASIL!
Terra de sol
Terra de luz
Terra que guarda no céu
A brilhar o sinal de uma cruz
Terra de luz
Terra-esperança, promessa
De um mundo de paz e de amor
Terra de irmãos
Ó alma brasileira ...
... Alma brasileira ...
Terra-poesia de canções e de
perdão
Terra que um dia encontrou
seu coração
Brasil! Brasil!
Ah... Ah... Ah...
B r a s í l i a!
Diem! Diem!
Ô ... ô... ô... ô
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