quinta-feira, 13 de abril de 2017

A SINFONIA DA ALVORADA


Estamos num período especial para os cristãos, Semana Santa, mas não vou discorrer sobre o tema, pois já o fiz, veja Páscoa e Páscoa e o Messias



Para quem não sabe, o compositor Tom Jobim teria completado, em janeiro deste ano, NOVENTA ANOS. 



E na próxima semana a nossa lamacenta Capital Federal, Brasília, celebrará CINQUENTA E SETE ANOS. 

Juntando as duas efemérides, apresento-vos:


Capa Original - Desenhada por Oscar Niemeyer

A SINFONIA DA ALVORADA.

Vinícius e Tom
Uma das obras menos conhecidas do grande público, fruto de uma parceria de Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes.


J.K. e as filhas Maria Estela (esquerda)
 e Márcia
Final da década de 1950, Juscelino fora eleito o 21º Presidente do Brasil, assumindo o cargo em 31 de Janeiro de 1956, dentre as suas metas estava construção e transferência da Capital Federal para o Interior, no Planalto Central, no estado de Goiás, a cidade que se chamaria Brasília, executando assim um antigo projeto para promover o desenvolvimento do interior e a integração do país.

Esta mudança já era prevista nas Constituições de 1891, de 1934 e na de 1946, mas foi adiada sua construção por todos os governos brasileiros desde 1891.

Esta foi uma promessa feita por JK durante um comício em Goiás quando foi indagado se cumpriria a Constituição de 1946, inclusive na criação da capital no Planalto Central.

Oscar Niemeyer e Lúcio Costa
Lideradas pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, as obras começaram em fevereiro de 1957. 

Candangos
Mais de duzentas máquinas e trinta mil operários - os candangos - vindos de todas as regiões do Brasil (principalmente do Nordeste do Brasil) exerceram um regime de trabalho ininterrupto, dia e noite, para construir e concluir Brasília até a data prefixada de 21 de abril de 1960, em homenagem à Inconfidência Mineira.

Congresso Nacional em construção

As obras terminaram em tempo recorde de 41 meses — antes do prazo previsto. Já no dia da inauguração, em pomposa cerimônia, Brasília era considerada como uma das obras mais importantes da arquitetura e do urbanismo contemporâneos.


Para a inauguração Juscelino queria algo diferente e grandioso, algo como era feito na nobreza europeia dos séculos anteriores e encomendou em 1958, aos compositores Tom Jobim e Vinícius de Morais, uma Sinfonia em homenagem à nova Capital.

Vinícius e Tom em Brasília
A ideia fora deixada de lado, até que por intermédio do arquiteto Oscar Niemeyer, Tom e Vinícius foram convidados a visitarem o planalto central para conhecer a cidade que estava sendo erguida, esta viagem ocorreu em Setembro de 1959.

Tom e Vinícius presenciaram a frenética construção da cidade, trabalhadores braçais vindo de todas as partes do país.

Tom Jobim dizia que Brasília fica no lugar mais antigo da terra. E por isso suas alvoradas são tão ricas de cores que multiplicaram ao longo dos bilhões de anos.

Catetinho
Foram dez dias encerrados no "Catetinho", para fazer uma Sinfonia. A viagem foi justificada como uma busca de realismo ao que estava acontecendo no sertão goiano, mas a maior parte do Brasil desconhecia. 

Vinicius misturou-se com operários e engenheiros, enquanto Tom embrenhava-se na mata para ouvir o canto dos pássaros do cerrado.

Inicialmente, JK pretendia apresentar a Sinfonia da Alvorada no dia 21 de Abril de 1960, data oficial da transferência de capital. Depois, postergou a apresentação para o dia 07 de setembro do mesmo ano, entretanto isso nunca aconteceu.
Roberto de Regina, Os Cariocas, Elizeth Cardoso, Radamés Gnatalli

Sua gravação foi realizada em novembro de 1960, no estúdio da Colúmbia no Rio de Janeiro, com a Orquestra Sinfônica sob a regência de Antônio Carlos Jobim, o recitativo interpretado por Vinicius de Moraes e em alguns trechos com participação de Tom Jobim, tendo o acompanhamento do Coral Dante Martinez sob a direção de Roberto de Regina, e participação de Os Cariocas e Elizeth Cardoso, ao piano Radamés Gnatalli e capa original desenhada por Oscar Niemeyer.

A Sinfonia é dividida em cinco partes:
  • I - O Planalto Deserto
  • II - O Homem
  • III - A Chegada dos Candangos
  • IV - O Trabalho e a Construção
  • V – Coral

"O Planalto Deserto" – O Cenário - É descrito o lugar com suas coisas "anteriores ao homem": os campos, as cores, as aves, as auroras...

"O Homem" – Os Atores - Aqueles que ali chegaram para desbravar, para fundar, para erguer e para ficar.

"A Chegada dos Candangos" – Personagens - É a convocação e a chegada de todos os homens que tinham vontade de trabalhar e confiança no futuro.

"O Trabalho e a Construção"- A Ação - Discorre sobre os materiais, e o tipo de trabalho a ser realizado:

"Coral" – Celebração - Todos comemorando a obra concluída.

Texto do Recitativo e Coral

I - O PLANALTO DESERTO

No princípio era o ermo
Eram antigas solidões sem mágoa.
O altiplano, o infinito descampado
No princípio era o agreste:
O céu azul, a terra vermelho-pungente
E o verde triste do cerrado.
Eram antigas solidões banhadas
De mansos rios inocentes
Por entre as matas recortadas.
Não havia ninguém. A solidão
Mais parecia um povo inexistente
Dizendo coisas sobre nada.
Sim, os campos sem alma
Pareciam falar, e a voz que vinha
Das grandes extensões, dos fundões crepusculares
Nem parecia mais ouvir os passos
Dos velhos bandeirantes, os rudes pioneiros
Que, em busca de ouro e diamantes,
Ecoando as quebradas com o tiro de suas armas,
A tristeza de seus gritos e o tropel
De sua violência contra o índio, estendiam
As fronteiras da pátria muito além do limite dos tratados.
- Fernão Dias, Anhanguera, Borba Gato,
Vós fostes os heróis das primeiras marchas para o oeste,
Da conquista do agreste
E da grande planície ensimesmada!
Mas passastes. E da confluência
Das três grandes bacias
Dos três gigantes milenares:
Amazonas, São Francisco, Rio da Prata;
Do novo teto do mundo, do planalto iluminado
Partiram também as velhas tribos malferidas
E as feras aterradas.
E só ficaram as solidões sem mágoa
O sem-termo, o infinito descampado
Onde, nos campos gerais do fim do dia
Se ouvia o grito da perdiz
A que respondia nos estirões de mata à beira dos rios
O pio melancólico do jaó.
E vinha a noite. Nas campinas celestes
Rebrilhavam mais próximas as estrelas
E o Cruzeiro do Sul resplandecente
Parecia destinado
A ser plantado em terra brasileira:
A Grande Cruz alçada
Sobre a noturna mata do cerrado
Para abençoar o novo bandeirante
O desbravador ousado
O ser de conquista
O Homem!

II - O HOMEM

Sim, era o Homem,
Era finalmente, e definitivamente, o Homem.
Viera para ficar. Tinha nos olhos
A força de um propósito: permanecer, vencer as solidões
E os horizontes, desbravar e criar, fundar
E erguer. Suas mãos
Já não traziam outras armas
Que as do trabalho em paz. Sim,
Era finalmente o Homem: o Fundador. Trazia no rosto
A antiga determinação dos bandeirantes,
Mas já não eram o ouro e os diamantes o objeto
De sua cobiça. Olhou tranquilo o sol
Crepuscular, a iluminar em sua fuga para a noite
Os soturnos monstros e feras do poente.
Depois mirou as estrelas, a luzirem
Na imensa abóbada suspensa
Pelas invisíveis colunas da treva.
Sim, era o Homem...
Vinha de longe, através de muitas solidões,
Lenta, penosamente. Sofria ainda da penúria
Dos caminhos, da dolência dos desertos,
Do cansaço das matas enredadas
A se entredevorarem na luta subterrânea
De suas raízes gigantescas e no abraço uníssono
De seus ramos. Mas agora
Viera para ficar. Seus pés plantaram-se
Na terra vermelha do altiplano. Seu olhar
Descortinou as grandes extensões sem mágoa
No círculo infinito do horizonte. Seu peito
Encheu-se do ar puro do cerrado. Sim, ele plantaria
No deserto uma cidade muita branca e muito pura...

Citação de Oscar Niemeyer
- "... como uma flor naquela terra agreste e solitária…"
- Uma cidade erguida em plena solidão do descampado.
- " ... como uma mensagem permanente de graça e poesia..."
- Uma cidade que ao sol vestisse um vestido de noivado
- " ... em que a arquitetura se destacasse branca, como que flutuando na imensa escuridão do planalto..."
- Uma cidade que de dia trabalhasse alegremente
- "…numa atmosfera de digna monumentalidade..."
- E à noite, nas horas do langor e da saudade
- " ... numa luminação feérica e dramática..."
- Dormisse num Palácio de Alvorada!
- " ... uma cidade de homens felizes, homens que sintam a vida em toda a sua plenitude, em toda a sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas puras..."
- E que fosse como a imagem do Cruzeiro
No coração da pátria derramada.

Citação de Lucio Costa
- "…nascida do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos que se cruzam em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz."

III - A CHEGADA DOS CANDANGOS

Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo.
Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo Tempo.
E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra, e que, no calcanho, em carro de boi, em lombo de burro, em paus-de-arara, por todas as formas possíveis e imagináveis, começaram a chegar de todos os lados da imensa pátria, sobretudo do Norte; forarn chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do Nordeste, em sua simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do Grande Leste, da Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando em sua mudez cheia de esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a aguardar suas promessas de melhores dias; foram chegando de tantos povoados, tantas cidades cujos nomes pareciam cantar saudades aos seus ouvidos, dentro dos antigos ritmos da imensa pátria...

Dois locutores alternados
- Boa Viagem! Boca do Acre! Água Branca! Vargem Alta! Amargosa! Xique-Xique! Cruz das Almas! Areia Branca! Limoeiro! Afogados! Morenos! Angelim! Tamboril! Palmares! Taperoá! Triunfo! Aurora! Campanário! Águas Belas! Passagem Franca! Bom Conselho! Brumado! Pedra Azul! Diamantina! Capelinha! Capão Bonito! Campinas! Canoinhas! Porto Belo! Passo Fundo!

Locutor nº 1: - Cruz Alta...
Locutor nº 2: - Que foram chegando de todos os lados da imensa pátria...
Locutor nº 1: - Para construir uma cidade branca e pura...
Locutor nº 2: - Uma cidade de homens felizes...

IV - O TRABALHO E A CONSTRUÇÃO

- Foi necessário muito mais que engenho, tenacidade e invenção. Foi necessário 1 milhão de metros cúbicos de concreto, e foram necessárias 100 mil toneladas de ferro redondo, e foram necessários milhares e milhares de sacos de cimento, e 500 mil metros cúbicos de areia, e 2 mil quilômetros de fios.
- E 1 milhão de metros cúbicos de brita foi necessário, e quatrocentos quilômetros de laminados, e toneladas e toneladas de madeira foram necessárias. E 60 mil operários! Foram necessários 60 mil trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria, sobretudo do Norte! 60 mil candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas...
- Ah, as empenas brancas! -
- Como penas brancas...
- Ah, as grandes estruturas!
- Tão leves, tão puras...
Como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-pungente do planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho humano em progressão ...
O trabalho humano que anuncia que a sorte está lançada e a ação é irreversível.

Cantochão
E ao crespúsculo, findo o labor do dia, as rudes mãos vazias de trabalho e os olhos cheios de horizontes que não têm fim, partem os trabalhadores para o descanso, na saudade de seus lares tão distantes e de suas mulheres tão ausentes. O canto com que entristecem ainda mais o sol-das-almas a morrer nas antigas solidões parece chamar as companheiras que se deixaram ficar para trás, à espera de melhores dias; que se deixaram ficar na moldura de uma porta, onde devem permanecer ainda, as mãos cheias de amor e os olhos cheios de horizontes que não têm fim. Que se deixaram ficar muitas terras além, muitas serras além, na esperança de um dia, ao lado de seus homens, poderem participar também da vida da cidade nascendo em comunhão com as estrelas. Que viram, uma manhã, partir os companheiros em busca do trabalho com que lhes dar uma pequena felicidade que não possuem, um pequeno nada com que poder sentir brilhar o futuro no olhar de seus filhos. Esse mesmo trabalho que agora, findo o labor do dia, encaminha os trabalhadores em bando para a grande e fundamental solidão da noite que cai sobre o planalto…
" Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino."
(Brasília, 2 de outubro de 1956)
Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira

V - CORAL

Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
BRASIL! BRASIL! BRASIL!
Terra de sol
Terra de luz
Terra que guarda no céu
A brilhar o sinal de uma cruz
Terra de luz
Terra-esperança, promessa
De um mundo de paz e de amor
Terra de irmãos
Ó alma brasileira ...
... Alma brasileira ...
Terra-poesia de canções e de perdão
Terra que um dia encontrou seu coração
Brasil! Brasil!
Ah... Ah... Ah...
B r a s í l i a!
Diem! Diem!

Ô ... ô... ô... ô

Conheçam a gravação original

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