quarta-feira, 13 de julho de 2016

UMA PAUSA PARA O CAFÉ


A obra do mestre Johann Sebastian Bach que possui a injusta fama de sério, suas cantatas são na maioria obras sacras, mas eis que nem tudo é seriedade, afinal para viver de música sempre existem as concessões, e com Bach não seria diferente... E então aceitou o convite e compôs:

A Cantata do Café (Kaffeekantate) BWV 211.

Collegium Musicum
A Kaffeekantate é resultado do trabalho de Bach com o Leipzig Collegium Musicum, fundado por Telemann, uma sociedade musical que oferecia concertos semanais e que ele assumira a direção musical em 1729, era uma das entidades mais ativas de Leipzig em seu gênero e um ponto de encontro e debates artísticos para muitos viajantes ilustres.

Bach permaneceu à frente do Collegium até 1737, e depois reassumiu a função em 1739 até 1741. O Collegium Musicum se reunia sempre às sextas-feiras na Cafeteria de Gottfried Zimmermann, e ali apresentava diferentes tipos de música, fosse solo ou de câmara, instrumental e vocal.



Cafe Zimmermann
A obra trata-se de uma propaganda do estabelecimento comercial, encomendada por seu proprietário, uma ode ao Café, consumido como estimulante, e servindo de acompanhamento para as conversas dos intelectuais sobre política e artes.

Serviu também como uma crítica à sociedade da época, início dos anos 30 do século XVIII, pois beber café era um desejo proibido para as mulheres.

Os homens tentavam impedi-las de consumirem aquele líquido escuro feito com aquele pó misterioso, que havia chegado à Alemanha em 1670, o “negro veneno” transformaria a mulher em um ser descontrolado e estéril.


O mestre alemão ignorou tal movimento em troca do pagamento, como quase sempre fazia, produziu uma obra-prima, uma pequena comédia que funciona tanto no palco quanto nas salas de concertos.
A Cantata do café foi apresentada pela primeira vez no outono de 1734. Bach sequer deu um título à obra, grafando apenas "cantata" nos seus registros originais.

Picander
O texto, publicado pela primeira vez em 1732 como Uber den Caffe, é de "Picander", pseudônimo de Christian Friedrich Henrici, um poeta e libretista de longa data de Bach em Leipzig. O texto impresso inclui apenas nº 1 a 8, o autor do nº 9 e 10 é desconhecida, mas provavelmente tenha sido escrito por Bach mesmo.

Os personagens são autênticos: um pai rabugento e rústico (Schlendrian) e uma filha mimada, cheia de caprichos e obstinada (Liesgen).

A narrativa apresenta um pai preocupado com a nova mania de sua filha, tomar o café, que ela consumia três vezes ao dia, a fim de fazer com que a filha abandonasse este vício, o pai oferece um casamento para a jovem.

A moçoila aceita entusiasmada a sugestão do pai que então sai em busca de um marido, entretanto a garota, ardilosamente, inclui uma cláusula no contrato matrimonial, permitindo tomar café sempre que ela quisesse.

A Cantata foi apresentada entre 1732 e 1735 na Kaffeehaus de Zimmermann, em Leipzig. A primeira Kaffeehaus da cidade, aberta em 1694. Em 1735 haviam ao menos oito privilegiadas casas.

Na época, os papéis femininos da obra foram interpretados por homens, uma vez que “cantoras” eram proibidas de se apresentarem em lugares tidos como sérios, como Cafés e Igrejas.

Esta Cantata é única dentre os trabalhos de Bach, sendo o mais próximo que ele chegou a escrever como ópera.

Segue uma tradução livre do libreto, e nas imagens as versões em alemão apresentada nas faixas, traduções para o inglês e para o francês:


1 - Recitativo - Narrador:
Silêncio, não faleis,
e ouçam o que acontece:
Aí vem o senhor Schlendrian 
com sua filha Liesgen,
E ele rosna como um urso, 
ouçam o que ela lhe fez!

2 - Aria (barítono) - Schlendrian:
Não são suficientes
os cem mil problemas
que se tem com os filhos!
O que todos os dias
à minha filha Liesgen
digo é totalmente inútil.




3 - Recitativo (barítono e soprano)
Schlendrian:
Filha má e rebelde,
Ah! Quando alcançarei meu propósito,
deixa o café!

Liesgen:
Pai, não sejais tão severo!
Se não posso tomar por dia,
três xícaras de café,
Ficarei,
para meu mal, 
mais fraca que uma cabra.




4 - Aria (soprano) Liesgen:
Mmm! 
Como é saboroso o café, 
mais delicioso que mil beijos, 
mais doce que o vinho moscatel.
Café, café eu preciso,
e quem quiser agradar-me, ah!
Que me sirva um café!



5 -  Recitativo (barítono e soprano)
Schlendrian:
Se não deixas o café, 
não irá mais a nenhuma festa, 
nem tampouco passear.


Liesgen:
Ah, tudo bem!
Mas, deixa-me o café!

Schlendrian:
Ah, pequena atrevida!
Não lhe darei saias com aros, 
como é a moda.

Liesgen:
Me conformo
tranquilamente.

Schlendrian:
Nem ficarás na janela,
e não verás ninguém
que lá fora passa!

Liesgen:
Tudo bem, 
mas por favor, 
deixa-me o café!

Schlendrian:
Nem tampouco
te darei uma argola de ouro
ou prata para prender
o lenço em tua cabeça!


Liesgen:
Bem, bem, 
mas deixa-me
o meu gosto!

Schlendrian:
Liesgen caprichosa,
então cederá em tudo?


6 - Aria (barítono)
Schlendrian:
As moças teimosas
não são fáceis
de convencer.
Mas,
se se encontra
uma maneira, ah!
Se pode conseguir!


7 - Recitativo (barítono e soprano)
Schlendrian:
Farás
o que teu
pai diz!

Liesgen:
Tudo, 
menos 
sobre o café.

Schlendrian:
Bem, 
então terás
de resignar-te
em nunca ter
jamais um marido.


Liesgen:
Ah, 
pai, 
um marido?

Schlendrian:
Juro
que não
o terás.

Liesgen:
Até que eu não deixe o café?
Então o deixarei para sempre!
Ouça, pai, não tomarei mais.

Schlendrian:
Então sim,
terás um marido.



8 - Aria (soprano)
Liesgen:
Hoje mesmo,
querido pai,
o dê-me! 
Ah, um marido! 
Isto sim que me convêm!
Ah, se em breve
em lugar do café 
antes de ir deitar-me, 
tivesse um galante
enamorado!


9 - Recitativo (tenor)
Narrador:
Agora o velho Schlendrian
vai buscar da maneira
que para sua filha rapidamente 
possa encontrar um esposo. 
Mas Liesgen em segredo disse:
- Nenhum noivo entrará nesta casa
se antes não me promete, 
no contrato matrimonial escrito, 
que me será permitido
preparar café quando desejar.

10 - Coro (terceto: soprano, tenor e barítono)
Todos:
O gato não deixa os ratos
e às jovens agrada o café.
A mãe ama o café, 
a avó também o toma, 
quem culpará a filha?



Faixas: BWV 211 (Coffee Cantata):
01. Recitativo (T)- Schweigt stille, plaudert nicht
02. Aria (B)- Hat man nicht mit seinen Kindern
03. Recitativo (B,S)- Du böses Kind, du loses Mädchen
04. Aria (S)- Ei! wie schmeckt der Coffee süße
05. Dialogo (B,S)- Wenn du mir nicht den Coffee läßt
06. Aria (B)- Mädchen, die von harten Sinnen
07. Dialogo (B,S)- Nun folge, was dein Vater spricht!
08. Aria (S)- Heute noch, lieber Vater, tut es doch
09. Recitativo (T)- Nun geht und sucht den alten Schlendrian
10. Chorus (S,T,B)- Die Katze läßt das Mausen nicht

No alto: McMillan, Saint-Gelais - Röschmann
Abaixo: Les Violons du Roy (não é a formação da época) com Labadie ao centro

Nesta versão apresentada temos:
Dorothea Röschmann – Soprano (S), Liesgen;
Hugues Saint-Gelais – Tenor (T), Narrador;
Kevin McMillan – Barítono (B), Schlendrian;
Les Violons du Roy – Regência de Bernard Labadie

Os músicos integrantes do Les Violons na época da gravação


As faixas foram extraídas do Álbum Bach Secular Cantatas lançado em 1994 pelo selo Dorian Recordings.


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